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Ecossistemas de Negócios

Das 500 empresas listadas pela revista Fortune em 1955 como as maiores empresas em faturamento, apenas 12% ainda existem 60 anos depois. Isso significa exatamente 61 empresas. As outras 439 tiveram um destes três destinos: faliram, foram adquiridas por outras em processos de fusão ou encolheram e deixaram de estar entre as 500 maiores. Cada história, com grau maior ou menor de dramaticidade e melancolia, nos inspira a refletir sobre as engrenagens desse moinho chamado tempo e seus efeitos sobre a dinâmica das empresas do passado e do presente, e nos faz pensar em estratégias para garantir o futuro.

O desaparecimento das empresas é chamado por Werner Sombart e Joseph Schumpeter de “destruição criativa” e implica no conceito de que o capitalismo destrói e reconfigura as ordens econômicas pré-existentes; no processo, desvaloriza a riqueza que existia para abrir caminho para um novo tipo de riqueza. Essas visões, claramente influenciadas pela ideologia marxista, foram objeto de debate pelos acadêmicos ao longo de toda a segunda metade do século 20.

Por isso, em vez de analisar a sobrevivência das empresas por um viés ideológico, prefiro observar tudo pela ótica biológica. Ou seja, me interessa analisar quais foram as forças de “seleção natural” darwinianas que permitiram que 61 empresas de um total de 500 conseguissem se manter fortes ao longo dos 60 anos mais disruptivos da história da humanidade.

Quando olhamos a lista, vemos que boa parte das sobreviventes tem na inovação tecnológica sua razão de existir. Em empresas como 3M, Abbott, ATT, Avon, Boeing, CBS, Coca-Cola, DuPont, GE, GM, IBM, Johnson&Johnson, Kellogg, Kraft, Lear, Lockheed, Monsanto, PepsiCo, Pfizer, Procter and Gamble e Whirlpool, o processo de jogar fora o ultrapassado e investir na descoberta de novos caminhos faz parte de seu DNA. Em todas elas, o que é constante é a busca por fazer mais e melhor, por se manter à frente dos seus concorrentes. Em outras palavras, essas empresas incorporam a destruição criativa a seus processos como uma forma de buscar a evolução.

Esse impulso evolutivo está totalmente alinhado com as descobertas de Charles Darwin: os indivíduos mais adaptáveis têm melhores chances de sobreviver e perpetuar seus genes por meio de descendentes, que já nascem mais adaptados, do que os que não conseguem se ajustar ao ambiente. Darwin defendia que a evolução das espécies se dá por meio de mutações que, com o passar das gerações, vão se definindo como características de adaptação ao ambiente. Por isso, felinos que moram em ambientes diferentes têm pelagem, mandíbula e hábitos diferentes, embora tenham os mesmos ancestrais. Leões, tigres, onças, pumas, jaguatiricas e linces são claramente parentes, mas cada um se adaptou a um ambiente. Foi isso que aconteceu com as empresas que se mantiveram na lista da Fortune 500.

Se olharmos de perto, as que estavam no mesmo setor tiveram que se manter em constante evolução para não serem engolidas por suas competidoras mais diretas. Por exemplo, no mundo dos laboratórios, estão na lista Abbott, Bristol-Myers Squibb e Pfizer. Todos tiveram que se mover rápido para fazer frente aos concorrentes. Graças a isso, todos se mantiveram investindo em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e essa corrida evolutiva permitiu que se perpetuassem na lista.

Mas, mesmo em setores aparentemente mais comoditizados, como o de produtos alimentícios, vemos que um ambiente competitivo é muito saudável e ajuda na preservação das empresas entre as mais afluentes e poderosas. Na lista da Fortune, se mantiveram ao longo dos últimos 60 anos empresas como Campbell Soup, Coca-Cola, Hershey, Kellogg, Kraft Foods e PepsiCo – todas vivendo em intensa competição e sempre muito integradas com seus consumidores. Para sobreviver, cada uma aperfeiçoou suas capacidades e isso lhes deu a força necessária para perdurar.

Um exemplo dessa mecânica é a Coca-Cola, gigante das bebidas gaseificadas baseadas em xarope, que, na virada do milênio, percebeu que havia uma tendência ligada ao consumo de bebidas mais saudáveis, como chás, sucos, água de coco e águas em geral. Rapidamente, a multinacional começou a adquirir, em vários países, empresas que produziam as bebidas que as pessoas queriam beber e usou seu poder de distribuição para aprofundar a tendência das bebidas saudáveis ao mesmo tempo em que garantia sua presença em nichos de mercado em que não competia ou tinha presença discreta. Com isso, ela mudou o cenário do mercado de bebidas e criou uma nova correlação de forças. Esse tipo de atitude “mutante” é recorrente nas empresas que souberam se manter líderes de seus mercados ao longo das últimas seis décadas.

No setor de aviação, em que a evolução tecnológica é o diferencial mais determinante para o sucesso de uma empresa, permaneceram na lista Boeing, Lear e Lockheed Martin. Cada uma buscou aprofundar suas habilidades para atender demandas específicas. Essa segmentação é recorrente na natureza. As espécies se adaptam para serem eficientes em seus respectivos habitats. Ursos pardos sabem subir em árvores, ursos polares são excelentes nadadores, ursos panda comem bambu. Mais do que ter essas habilidades, cada espécie adaptou seus sistemas biológicos tanto para ter mais eficiência na coleta de alimento como internamente, para melhor aproveitar os nutrientes que cada ecossistema fornece. Com as empresas desse setor ocorreu exatamente isso. Uma focou os grandes aviões de passageiros, outra jatos executivos e outra turbinas.

Presente na lista Fortune 500 desde 1955, a IBM é o exemplo mais emblemático de empresa que tem mutações constantes em seu DNA. Isso se relaciona com a própria dinâmica do setor de tecnologia da informação, que é regida pelos saltos evolutivos rápidos descritos pelo que ficou conhecido como Lei de Moore. Em 1965, o então presidente da Intel, Gordon E. Moore, fez a previsão de que o número de transistores dos chips dobraria a cada 18 meses, com o mesmo custo de produção. Essa previsão se concretizou e fez com que todas as empresas que atuam no setor de tecnologia buscassem criar musculatura em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos para acompanhar esse ritmo frenético de crescimento.

Só que o ritmo acelerado de evolução acabou transcendendo as fronteiras do setor. Tal qual acontece nos ecossistemas naturais onde, quando uma espécie muda de hábitos impacta todo o conjunto, no mundo dos negócios a mudança evolutiva de uma empresa acaba impactando empresas de setores muito diferentes.

Quando a Apple criou o iTunes e depois a AppStore, ela mudou todo o cenário porque, ao viabilizar uma forma fácil de vender aplicativos, fez com que o negócio dos desenvolvedores ganhasse viabilidade. Essa mudança de cenário impactou todo o mercado de tecnologia, mas teve eco em setores bem distantes. Por exemplo, em tese, o sujeito que vive de vender cachorro quente não tem nada a ver com a movimentação dos desenvolvedores de aplicativos, certo? Errado. Bastou alguém criar um aplicativo de pedir comida que o processo de distribuição de hot dog mudou. Se o dono do “dogão” não se informatizou ou acompanhou as mudanças no mercado, vai perder as vendas por aplicativo. Só que esse tipo de venda exigirá que o dogueiro adapte o seu produto para a entrega. Talvez mande complementos em recipientes separados ou tenha que adaptar as receitas para o transporte. Ou seja, a mutação nos aplicativos provocou a evolução do hot-dog.

Aliás, a Apple talvez seja um dos exemplos mais representativos do poder que um DNA empresarial mutante tem de alterar os mercados. Por exemplo, quando a Apple lançou o iPod, ela mudou o mercado de eletroeletrônicos reprodutores de música, seu mercado imediato, mas mudou também a forma de distribuição de música com o iTunes. Ou seja, impactou as até então superpoderosas gravadoras. Isso sem falar na mudança de comportamento do consumidor que seguiu a esse lançamento.

Aí, cinco anos depois, a Apple lançou o iPhone, que é a união de um telefone celular, com um canal de acesso com a internet, com um iPod e com uma câmera fotográfica. Com esse lançamento, Steve Jobs mudou o mercado de telefonia móvel, acelerou a necessidade das operadoras de celular de prover um bom serviço de internet, mexeu novamente com o mercado de música, impactou o mercado de fotografia, gerou maiores oportunidades para as redes sociais e ampliou as possibilidades dos criadores de aplicativos. Todas essas mudanças provocaram revoluções no comportamento dos consumidores e seguiram alterando os cenários dos mais diversos mercados. Por exemplo, as câmeras conectadas às redes sociais mudaram a disseminação das informações de moda. Isso mudou a dinâmica das redações das revistas de moda, permitiu o crescimento da influência das blogueiras e mudou a destinação de verbas de publicidade. Mas as mudanças continuam: os desfiles acontecem e imediatamente as propostas já são vistas e absorvidas pelos designers e confeccionistas e essa nova agilidade alterou o ciclo produtivo do mundo da moda.

Lançamentos disruptivos como o do iPhone, capazes de mudar vários mercados, também propiciam a fusão de diferentes ecossistemas. Hoje, o ecossistema de fotografia está unido ao de telefonia, e a produção de notícias e o consumo de entretenimento também passaram a fazer parte do mesmo ecossistema. Nas ciências naturais, o nome que se dá para esse ambiente de transição entre diferentes de habitats é ecótono, que acaba tendo uma população peculiar também. Hoje, graças às mudanças constantes, cada vez mais atividades vivem no ecótono e precisam se manter em adaptação constante.

Um exemplo de empresa que está confortável no ecótono é a Netflix. O negócio de downloads de conteúdo foi além de tirar do mercado uma gigante de locação como a Blockbuster; ele atingiu também o mercado das TVs pagas e até o de produção de conteúdo. Quando a Netflix começou a produzir conteúdo próprio, ela alterou um cenário que há mais de cem anos vinha sendo povoado por gigantes como Warner, Fox, Universal e Disney e sofreu a última inclusão com a chegada da HBO há duas décadas. Nos ecossistemas existe uma lei clara: quando um novo animal é introduzido, geralmente ele não tem predadores, o que permite que ele se alastre rápido até que seu lugar na cadeia alimentar se consolide. Assim vemos claramente a atuação dos mutantes no mercado de produção de ficção.

Mas os impactos vão além e atingem também o mercado de publicidade, causam alterações no mapeamento do público-alvo de diversos produtos e até mudam a correlação de forças em mercados bem distantes do mundo artístico, como, por exemplo, o das empresas que distribuem internet em banda larga.

Tudo isso mostra que as mutações mudam os ecossistemas de negócios e o novo ambiente propicia mais saltos evolutivos.

Vale lembrar que os indivíduos da mesma espécie são 99% iguais uns aos outros. O que provoca as diferenças está no 1%. Esse é o território onde as mutações ocorrem e graças a elas somos únicos, especiais e mais aptos para enfrentar as mudanças de ambiente. Mas é importante ter em mente que mudar tem que fazer parte de um sistema maior e ter um propósito e relevância bem claros. Sem isso, a empresa corre o risco de que a “mutação” não dê certo.

Diante do processo evolutivo cada vez mais acelerado que a sociedade, o mercado e as empresas vem experimentando desde que Moore fez sua previsão, o que se vê claramente é que empresas que permitem que a criatividade flua com maior facilidade tendem a ser também as que conseguem se manter bem-sucedidas ao longo das décadas. Um bom exemplo disso é a General Motors, empresa que se manteve na lista da Fortune 500 desde 1955. A despeito de ser uma gigante mundial, a montadora adotou uma série de procedimento internos que se traduzem em empoderamento dos colaboradores dos mais diversos níveis ao mesmo tempo em que investe pesadamente em pesquisa, desenvolvimento e design. Para facilitar a captação de inputs sobre os desejos dos consumidores, Ed Welburn, que foi o vice-presidente mundial de design da montadora de 2003 a 2016, criou sete centros de design ao redor do planeta – inclusive um no Brasil, especializado em carros compactos. A sua intenção com a descentralização era eliminar barreiras burocráticas e distorções culturais para otimizar os talentos criativos das equipes. Em entrevista ele explicou que cada cultura tem uma visão sobre design que é fruto da sua vivência e que pessoas de culturas diferentes poderiam não compreender as propostas locais. Por exemplo, o Brasil é bom em carros compactos, só que suas propostas podem não cair no gosto dos norte-americanos, que gostam de carros maiores. E o contrário também é verdadeiro, determinados padrões internacionais aqui não são particularmente apreciados. Ao comparar laranjas com laranjas e maças com maças e dar o devido valor a cada expertise, Welburn também protegia o ego dos talentos dos diferentes times, mantendo-os motivados.

Essa preocupação com o humor dos colaboradores é fundamental para que as empresas mantenham a energia criativa e o entusiasmo pela inovação e continuem sempre se renovando internamente. Isso ajuda a reter os talentos, algo que é determinante para a preservação da empresa. Quando essa questão “ambiental” não é observada, os talentos fazem como os bichos e saem daquele habitat em busca de pastos mais verdes e água em abundância. Essa fuga das melhores mentes é um dos problemas mais sérios que uma empresa pode enfrentar porque equivale ao empobrecimento dos seus ativos criativos. Empresas que não cuidam da retenção de talentos acabam passando pelo “darwinismo reverso”, ou seja, os melhores e mais capazes vão embora e a empresa fica com os colaboradores menos motivados e mais acomodados, que são os que jamais vão lutar por inovação ou liderar saltos evolutivos.

Muitos destes executivos não fazem isso por mal. Eles apenas acreditam em um arquétipo desatualizado do que deve ser um profissional no mundo corporativo. No clássico O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint Exupéry, o garoto vai visitar o planeta do Homem de Negócios e encontra lá um sujeito mal-humorado que vivia contabilizando coisas que ele nem sabia exatamente o que era – eram as estrelas – em um movimento repetitivo infinito. Esse tipo de “homem de negócios” é o que destrói o coração criativo das empresas e impede a evolução. Hoje, a estrutura empresarial exige gente comprometida, sim, mas proativa e capaz de enxergar o mundo de forma mais abrangente. O Pequeno Príncipe disse ao Homem de Negócios que achava importante ser útil às coisas que possuía. Aí tem um grande recado para todos os profissionais: é importante ser útil ao emprego que se possui, é fundamental ajudar a empresa no seu processo evolutivo, que sempre será disruptivo.

Em maior ou menor grau toda mutação gera algum desequilíbrio no ecossistema e isso exige que as empresas tomem para si a responsabilidade de combater os desequilíbrios. Vamos dizer que uma empresa lança um telefone com touch-screen e, com isso, muda o mercado. Para corrigir esse desequilíbrio no ecossistema, suas concorrentes se apressam em desenvolver modelos que possam competir com a inovação.

A melhor maneira de evitar ser pego de surpresa em um situação assim – que aconteceu com o mercado de telefones quando a Apple lançou o seu – é que os times das empresas se empenhem em identificar as tendências de mercado mais relevantes. Nesse ponto é importante fazer a distinção entre tendência e moda. Moda é algo material, um produto que consolida referenciais estéticos. Tendência tem raiz comportamental e se baseia no que as pessoas sentem como relevante em sua vida. Os ciclos das tendências são mais longos e seu alcance é bem maior do que a estética de objetos – chegando, inclusive, a alterar visões de mundo.

Por exemplo, a tendência de cuidar da saúde fazendo exercícios físicos em algum ponto de encontrou com a tendência de reduzir a emissão de carbono na atmosfera e o resultado disso foi o interesse das pessoas em adotar as bicicletas como meio de transporte. Conforme um número maior de ciclistas surgiu, as cidades tiveram que se adaptar e surgiram as ciclovias que, por sua vez, incentivaram mais gente a pedalar em vez de dirigir. Perceba que tendências como essa alteram uma série de ecossistemas negociais: fabricantes de bicicletas, distribuidores de suplementos vitamínicos para melhorar performance aeróbica, design de tênis e mochilas, produção de isotônicos, espaços para estacionamento das bicicletas, acessórios como capacetes e joelheiras, clinicas médicas especializadas em ortopedia, protetores solares, roupas impermeáveis, enfim, criam todo um novo cenário de consumo.

Outra tendência que vem se consolidando em vários setores é a “uberização”. Graças a disseminação de aplicativos, banda larga e a rápida adesão do público, vários modelos de negócios coletivos e colaborativos vem se estabelecendo. Espaços de coworking, Airbnb, Uber e bicicletas públicas são alguns dos exemplos que provam que as mutações estão conduzindo a mudança acelerada dos ecossistemas.

 

 

 

 

Referências:

https://www.aei.org/publication/fortune-500-firms-in-1955-vs-2015-only-12-remain-thanks-to-the-creative-destruction-that-fuels-economic-growth/

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Creative_destruction

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