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Rasgue o véu da ilusão, Maya

A gente só consegue saber que está prisioneiro quando descobrimos que estamos dentro de uma prisão.

O que a realidade? Qual é a sua realidade? Sim, estou falando de duas coisas diferentes: o mundo real e aquele que construímos para nós mesmos. Não é apenas o que temos, com quem andamos ou no que trabalhamos. Essa realidade nasce de dentro de nós, quando identificamos o “eu” que percebe a manifestação de tudo o que existe. Porém, nem sempre estamos alinhados com a realidade em si: criamos personagens para nós mesmos, situações e emoções que se confundem com a verdade, com a gente. O trabalho interno para rasgar esse véu da ilusão (Maya, na linguagem sânscrita) é o primeiro passo para, realmente, afastar-se das fontes de sofrimento da vida e enxergar além do que a nossa mente nos mostra como “real”.

A mente, apesar de trabalhar a nosso favor nos afazeres do dia a dia, pode nos pregar peças e nos distanciar da nossa verdade, da nossa essência. Isso porque, nós, enquanto humanos, estabelecemos um valor para as situações e creditamos toda a vida ao o que a racionalidade nos diz. Quando algo no ambiente acontece espontaneamente nós a culpamos por algo não espontâneo que nós próprios criamos: as normas que regem nossos comportamentos. Nós culpamos os acontecimentos espontâneos quando nossa vida não espontânea, fabricada e artificial, é prejudicada por eles. Não é o mundo que está errado: nós é que construímos um outro mundo (Maya) dentro do mundo. Eles não se convergem: e é isso que nos provoca sofrimento.

Mas o que é Maya, ou a grande ilusão?

A mente é esse mecanismo através do qual os pensamentos distorcem a realidade: criando uma realidade virtual que se sobrepõe a ela. E a gente cria isso ao construir narrativas para a nossa vida. O pensamento indiano, por exemplo, se baseia nessa ideia. O deus que representa a força criadora de tudo que existe, Brahma, é chamado também de Aksarah, que em sânscrito significa indestrutível e também sílaba. Esse pensamento faz com que entendamos o conceito de que o Universo é sustentado pela palavra – e ela representada por Brahma.

E aí que está o ponto: por essa tese, nada existe antes de ser criada a possibilidade de percepção. O primeiro sinal de manifestação do Cosmo é a percepção, chamada de buddhi, que surge antes mesmo de se ter um “eu” ou um objeto para ser percebido. Daí vem a ideia de Maya, a grande ilusão.

Ao entendermos que lançamos palavras ao mundo para percebê-lo – como por exemplo quando tentamos explicar de forma causal o porquê de certos acontecimentos na nossa vida – sabemos que tudo não passa de uma ilusão, uma narrativa, como aquelas que lemos em livros. Nos contentamos em enxergar o mundo que existe apenas em palavras e acabamos por acreditar que estamos lidando com objetos que existem de verdade (e que não são frutos da nossa própria narrativa).

Mas como começar a se dissociar dessa grande ilusão? O passo zero é entender e trabalhar nas raízes de todo nosso sofrimento, os Kleshas, que, querendo ou não, são objetos de apego inconsciente.

Kleshas: As raízes do sofrimento humano.

Um dos textos clássicos do Yoga, os Yoga Sutras de Patanjali, descreve como cinco as raízes (Kleshas) de todo sofrimento humano. Podemos dizer também que esse sofrimento é a identificação com a ilusão, com Maya. Os Kleshas são: “avidyā-asmitā-rāga-dveṣa-abhiniveśaḥ kleśāḥ”

  •       Avidya: é a ignorância, considerado por Patanjali como o campo fértil para os outro quatro. “Vidya” significa conhecimento e “a” é a negação. Não estamos falando aqui de uma ignorância intelectual, mas sim a falta de capacidade de vermos a verdade. É negar que temos formas de ver o mundo e que elas estão ligadas às experiências materiais, tão individuais que fazem com que cada um tenha uma realidade. Contudo, se confiamos em nossos pensamentos como reais e nos conectamos com o Ego – ou seja, que a minha realidade é a verdadeira, os próximos kleshas se abrem.
  •       Asmita: é a crença de que somos nosso corpo e nosso ego. Quando nos identificamos como “pai”, “mãe”, “amigo do fulano”… Ou seja, com esses rótulos e personagens que criamos para nós mesmos. Entretanto, ao esquecermos de quem somos na essência (já falamos sobre isso aqui), nos identificamos apenas àquilo que é passageiro.
  •       Raga e Dvesha: são relacionados aos desejos do nosso ego e ao apego aos resultados de nossas ações. Raga é nosso desejo pela satisfação e felicidade pelas nossas ações e Dvesha o medo de não obter esses resultados. Dessa forma, não confiamos no fluxo do universo, achamos que temos tudo sob controle e que o resultado de nossas ações também está nas nossas mãos. Contudo, quando as coisas não saem conforme o esperado, nos frustramos e sofremos.
  •       Abhinivesha: é o medo da morte e é decorrente da identificação com o corpo. Claro, temos nosso instinto de sobrevivência. Entretanto, podemos nos conscientizar que tudo que é material – inclusive nossos pensamentos – é passageiro. Isso nos torna conscientes de que o sofrimento é somente uma ilusão provocada por nós mesmos.

Na verdade, se refletirmos, todos os cinco falam sobre a nossa necessidade de controlar: ou a necessidade de estar na ilusão. O controle é o principal bloqueio para que consigamos alcançar aquilo que, teoricamente, almejamos. Não por acaso vemos tanto por aí como um mantra: Entrega, confia, aceita e agradece.

É desgarrar-se da necessidade do controle dos resultados das nossas ações.

Rasgar o véu da ilusão e se afastar dos Kleshas

O processo de autoconhecimento não é sempre um campo florido. Precisamos enfrentar nossos medos e nossas certezas sobre o mundo. É saber que nem sempre as coisas são como achamos que são. Parece simples, mas não é. Rasgar o véu da ilusão é tomar como oportunidades as nossas experiências, interações com outras pessoas e auto-estudo para ver através das ilusões persistentes e erradicar a verdade.

Qual será a realidade por trás daquela que você acha que vive?

 

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