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Quem é você quando ninguém está olhando?

 

Prakriti é a principal causa material do mundo. Calma, não estou falando grego. É sânscrito mesmo. Prakriti é considerada a causa primeira e última de todos os objetos densos e sutis – o que imaginamos ser real. Na presença de prakriti, o observador (purusha) é atraído pela natureza e se enreda no mundo físico de prakriti. Então purusha esquece que sempre foi separado de prakriti. Ou seja: é comum nos confundirmos com o mundo e com as coisas/situações/sentimentos/sensações que acontecem e passam por nós. E essa é uma das raízes do nosso sofrimento, de nos agarrarmos em situações, empregos, relacionamentos e assim por diante que nos puxam para trás. Achamos que somos aquilo.

Considere-se um(a) observador(a)

Na filosofia Samkhya, por meio da prática de ioga, lembramos como nos separar das armadilhas do mundo físico, que nos prende às situações limitantes e aos personagens que carregamos. Para essa filosofia, caso não busquemos essa distância a alma será reencarnada repetidamente. Dessa forma, não se trata apenas de “união” do corpo e da mente como muitos praticantes de ioga modernos acreditam. É sobre deixar o corpo para trás no desejo de se tornar um com essa forma universal de consciência, ou Brahma.
Visto que o conceito self na metafísica do Samkhya-Yoga é desprovido de quaisquer atributos que possam individualizá-lo, nenhuma diferença pode ser feita entre um purusha e outro e, portanto, sua pluralidade é problemática. S. Radhakrishnan, um dos célebres estudiosos da Índia sobre filosofia e religião, escreveu:
O self é sem atributos ou qualidades, sem partes, imperecível, imóvel, absolutamente inativo e impassível, não afetado pelo prazer ou dor ou qualquer outra emoção. Todas as mudanças, todos os personagens pertencem a prakriti. Não parece haver qualquer base para a atribuição de distinção aos purushas. Se cada purusha tem as mesmas características de consciência, onipresença, se não há a menor diferença entre um purusha e outro, visto que são livres de toda variedade, então não há nada que nos leve a assumir uma pluralidade de purushas. A multiplicidade sem distinção é impossível (Indian Philosophy, vol. II, p. 322).

Mas o que é a realidade?

Como resultado da natureza oposta de purusha e prakriti, a metafísica Samkhya-Yoga encontra problemas para estabelecer harmonia entre o conhecimento empírico e absoluto. Aqui está como S. Radhakrishnan comenta sobre este aspecto intrigante:
Quando o Samkhya quebra a unidade concreta da experiência nos dois elementos de sujeito e objeto e os torna ficticiamente absolutos, ele não pode explicar o fato da experiência. Quando purusha é vista como consciência pura, a luz permanente que ilumina todos os objetos de conhecimento, e prakriti como algo oposto à consciência e totalmente estranho a ela, a última nunca pode se tornar o objeto da primeira. O Samkhya não consegue atravessar a vala que cavou entre o sujeito e o objeto. […] a menos que sujeito e objeto sejam parecidos, como um pode refletir o outro? Como pode buddhi, que não é inteligente, refletir purusha? Como pode o purusha sem forma, que é o vidente constante, ser refletido em buddhi que está mudando? Os dois não podem, portanto, ser absolutamente opostos por natureza (Indian Philosophy, vol. II, p. 303-4).

Somos o todo

Nenhuma relação possível pode existir entre o conhecimento empírico, que pertence ao domínio de prakriti, e o conhecimento absoluto de purusha. Por pertencerem a reinos diferentes, por um lado, purusha não pode conhecer prakriti e, por outro lado, prakriti e todas as suas formas nada podem fazer nada para ajudar na liberação. Temos que nos entender como observadores da realidade para, então, nos unir ao todo. Isso é entrar no flow da vida, que tanto ouvimos por aí. Uma das ferramentas mais poderosas para entender como a vida passa por nós – e não nós pela vida – é a meditação. É tomar a posição de Purusha e se abster de Prakriti e, principalmente, do intelecto.

Libertação como isolamento do eu

A personalidade é considerada um produto da manifestação de prakriti, uma soma de experiências psico-mentais que deixam de existir no momento da liberação. Em vez da visão panteísta de liberação, que consiste em uma fusão impessoal do self com o Absoluto, os darshanas Samkhya e Yoga afirmam que o self liberado (purusha) permanece eternamente isolado, desprovido de qualquer relação com outros purushas e tendo como única possibilidade a de se conhecer. Mas dado o fato de que purusha é desprovido de quaisquer atributos pessoais, é difícil entender o que essa autocontemplação poderia significar.
Tornar-se livre é deixar a vida passar por você, não se identificando com as dificuldades, sentimentos e emoções que são inerentes a nós. É desapegar desses personagens que criamos para nós e, principalmente, para nos integrar a uma determinada situação.
Afinal, quem é você quando ninguém está olhando, quando você não está racionalizando o que passa pela sua mente? O autoestudo é um dos mais desafiadores, mas é a partir dele que a vida entra, finalmente, no flow. Rompendo, enfim, os véus da ilusão.

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