Realizando um salto qualitativo no conceito de diversificação, as empresas
versáteis costumam trazer um elemento inovador e disruptivo para os
mercados em que participam
Versatilidade — capacidade de fazer coisas diferentes com igual habilidade —
é um conceito que, oposto à ideia de especialização, vem se mostrando cada
vez mais aplicável à atuação de empresas que diversificam seus negócios
atuando em outros setores de modo a revolucioná-los. A combinação de foco
no cliente com propósito inspirador das suas equipes é o que alavanca suas
iniciativas – mesmo as mais ousadas.
A maior parte das empresas é especialista em um produto ou segmento. Esse
movimento chegou ao auge no século 20, quando algumas marcas chegaram a
se tornar sinônimos dos seus produtos — Band-aid, Xerox e Post-it são
algumas delas. O século 21 trouxe novos valores e atitudes, tanto de empresas
quanto de consumidores, e, nessa esteira, vemos com cada vez mais
frequência marcas sendo bem-sucedidas em setores diferentes daqueles em
que especializaram.
As empresas “versalistas” – neologismo que expressa oposição à palavra
especialista – vão além de adotar as clássicas estratégias de diversificação e
partem para a disrupção, revolucionando os setores em que passam a atuar. A
Apple fez isso com a telefonia celular, a Netflix fez isso com a produção de
conteúdo, a Virgin fez primeiro com o varejo e depois com a aviação, a Amazon
fez com a edição de livros, o Google pretende fazer com a indústria
automobilística, e a Tesla já atua dessa maneira em todos os setores nos quais
investe — de automóveis a viagens ao espaço.
Normalmente, a diversificação é uma forma de não ser surpreendido por uma
alteração brusca no mercado. É a clássica estratégia de não pôr todos os ovos
na mesma cesta — algo com que os investidores do mercado financeiro se
preocupam o tempo todo. O bilionário Warren Buffett, inclusive, critica essa
estratégia: “Diversificação é proteção contra a ignorância. Não faz muito
sentido se você sabe o que está fazendo”.
De fato, conhecer um mercado profundamente e especializar-se nele pode dar
bons resultados para quem investe em bolsa. Mas o tipo de diversificação no
qual as empresas versalistas têm investido são justamente os negócios que
causam surpresas (de todo tipo, boas e más) para quem espera dividendos de
ações.
Para as empresas versalistas, diversificar não é uma espécie de seguro contra
um dia de chuva, é fazer chover em um mercado que anda ávido por
mudanças e novas propostas — e isso pode acontecer tanto em mercados
estagnados quanto naqueles em plena ebulição. A questão não é o perfil do
mercado em que se está entrando, mas a revolução que se pode fazer nele. E
esse é o tipo de movimento que mexe com o preço das ações. Basta observar
o que aconteceu no mercado quando a Apple lançou o iPhone — sua
valorização recorde e a desvalorização das concorrentes. Nem o investidor
Warren Buffett, superespecializado no mercado de telefonia, tinha como prever
o movimento disruptivo orquestrado por Steve Jobs.
Quando a Amazon decidiu ir além de vender livros e passou a editá-los, causou
um maremoto no segmento de editoras. O mesmo fenômeno tende a se repetir
em qualquer setor no qual Jeff Bezos decida investir, seja venda de comida
orgânica, seja planos de saúde. O fato é que as empresas versalistas
desenvolvem um know-how para a diversificação com disrupção e podem
repetir o movimento sempre que encontrarem uma boa oportunidade.
A empresa versalista tem uma peculiar anatomia de gestão. Tubarões nadam,
focas nadam, patos nadam, mas o estilo de cada um, a velocidade, a
profundidade e as limitações são diferentes. Algumas empresas diversificam,
outras entram em outros mercados para mudar paradigmas e transformar
tudo.
Essa naturalidade para a ousadia geralmente tem origem nas pessoas que
fundaram e gerem a empresa. Um time inclusivo, com pessoas de várias
formações técnicas e históricos pessoais diversificados, geralmente se mostra
mais aberto à inovação do que equipes homogêneas. Outro traço característico
dos versalistas é seu inconformismo em relação ao status quo. Essa atitude
torna plausível um site de buscas prototipar um carro autônomo, ou um
designer de computadores criar um telefone que só tenha um botão.
Empresas versalistas como Google, Apple, Netflix e outras desenvolvem
projetos com o apetite das startups. Para isso acontecer é preciso que seus
colaboradores se mantenham famintos – como Steve Jobs aconselhava – e
não tenham receio de errar. Claro que soa romântico dizer que errar faz parte e
que, na pior das hipóteses, ganha-se experiência. Na contabilidade das
grandes empresas, no entanto, o erro vai para a coluna dos prejuízos e não
passa impune pelo departamento financeiro. Já no contexto das startups, a
experimentação faz parte do plano de negócios. Então, para que a dinâmica da
diversificação ocorra de forma construtiva, as empresas versalistas adotam a
mentalidade de venture capitalists em relação aos seus projetos mais ousados,
especialmente quando eles implicam entrar num novo mercado. A dinâmica
financeira que rege esses projetos é, também, a das startups — ou seja, os
prazos para o retorno sobre o investimento são medidos em anos e não em
meses.
O exemplo da Apple com o iPhone é perfeito. A empresa se aventurou num
mercado que até então era dominado pela Nokia e Motorola, com a Samsung
correndo por fora em busca de espaço. Até a tecnologia e o design aplicados
aos aparelhos estavam indo em outra direção. A Nokia, líder mundial, investia
em aparelhos com teclado, para facilitar as mensagens de texto. As câmeras
estavam melhorando, mas ninguém ligava muito para a exibição das fotos nos
aparelhos. A Apple veio mudando tudo isso. Seu slogan “Think different” se
materializou no iPhone e conquistou o mundo, e rapidamente os aparelhos
celulares ficaram responsáveis por mais da metade do faturamento da
empresa.
Esse lançamento deixou claro que os seguidores da marca apostariam no que
quer que ela propusesse. Se a logomarca da maçã mordida aparecer em caixa
de gelatina, tênis ou helicóptero, o consumidor reagirá com entusiasmo, e por
dois motivos: ele confia na excelência técnica da marca (algo lógico e baseado
na experiência); e gosta de se sentir parte da magia dessa marca, apreciando
sua estética, admirando seu propósito e acreditando no lema “Think different”
— motivos subjetivos e imateriais, ligados ao histórico e personalidade da
marca.
Ter ativos imateriais fortes é outra característica das versalistas. Sua
capacidade de manter o interesse dos consumidores no foco de seus projetos,
a força do seu propósito e seu posicionamento em relação a questões sociais
— sustentabilidade, aquecimento global, empoderamento feminino e trabalho
justo — lhe dão credibilidade, e isso se reflete nas vendas. As pessoas
prestigiam suas iniciativas. A empresa pode ser versátil porque tem valores
consistentes, e isso é percebido pelo público.
Para ser uma empresa versalista é fundamental ter vocação e aptidão para a
versatilidade. A vocação vem desse desejo constante por desenvolvimento,
crescimentos e evolução que se expressa ao aproveitar oportunidades,
melhorar a vida do consumidor, revolucionar mercados e fazer o futuro. A
aptidão está em criar a musculatura necessária para essas iniciativas por meio
de uma estrutura de gestão capaz de reconhecer e reter talentos, de uma
política financeira capaz de entender as necessidades dos projetos, de um
marketing visionário e, acima de tudo, de sinergia entre os diferentes setores.
A empresa especialista, monolítica e super-hierarquizada é um ente surgido no
século 19 que dominou o século 20, mas que terá dificuldade de sobreviver às
demandas do século 21 — tanto em termos de expectativas do consumidor
quanto em retorno para o investidor. As maiores empresas do mundo estão se
movimentando no sentido de ganhar versatilidade e agilidade para que sua
atualidade e relevância se mantenham. A tendência é que as empresas
versalistas tenham maior lucratividade, tanto na ponta do consumidor quanto
nos retornos para os investidores em bolsas, além de valorizar ainda mais suas
marcas. A versatilidade é o ativo do futuro.