Ouvimos muito por aí: faça o que você ame! Sabemos, também, que nem sempre isso é possível. Temos muitas “preocupações”, que ficam rondando a nossa mente a todo momento. Você deve estar esperando que eu fale que é uma infantilidade acreditar nisso. Mas não irei. Essa é uma condição que anos seguidos de racionalidade extrema nos colocaram em mãos. E a questão fundamental da transição da modernidade para a pós-modernidade é a substituição de uma sociedade racional para uma emocional.
Você já deve ter percebido isso no seu Feed das redes sociais. Quantas pessoas que não postam, falam ou levantam a bandeira da positividade, amor ao próximo, abertura do coração… Yoga, meditação, abraços… Tudo isso voltado para uma coisa só: seguir o coração.
Já falei por aqui como esse “caminho de volta para casa” não é tão novo – textos sagrados, desde as Upanishads a até a Bíblia, no fundo, falam que devemos seguir o coração. Mas me pergunto: até que ponto as pessoas estão preocupadas em descobrir esse poder do coração ou, na realidade, é uma tentativa de criar laços emocionais com os outros?
Nada melhor do que a sociologia para nos ajudar a compreender tudo isso.
Tribos emocionais
O sociólogo francês Michel Maffesolli possui uma visão sobre a pós-modernidade que muito se encaixa nessa nossa nova onda de “good vibes”. Para ele, no fundo, estamos buscando encontrar a nossa tribo urbana. Pode soar para você que isso já acontece há um tempo. Mas, não. A partir do crescimento do liberalismo a até meados dos anos 1950, a sociedade baseava-se no indivíduo. Ainda sentimos isso nos dias de hoje: a sociedade muitas vezes culpa o indivíduo por si só por todas as mazelas sociais. Nos afastamos das nossas tribos por, simplesmente, elas não existirem mais – até porque, tribo, significa que “eu não existo se não pelo outro”.
Essas tribos urbanas nada mais são do que união de grupos que compartilham os mesmos valores emocionais. A metáfora da tribo sustenta a ideia de estar-junto – afinal, pessoas destes micro grupos reúnem-se não somente pela racionalidade, mas também pelos sentimentos que são despertados.
Tribo x individualismo
Mas como o tribalismo se impõe ao individualismo (que ainda encontra resquício na sociedade)? Na modernidade, o indivíduo deveria adquirir uma identidade para alcançar a socialização – os chamados “papéis” sociais, como ser mãe, diretor de empresa e por aí vai… O indivíduo se confundia com um papel que ele tinha com a sociedade. Atualmente, para Maffesolli, o sujeito possui identificações múltiplas. Então, podemos ser: publicitário, skatista, yogui, meditador, pai de criança e por aí vai. Eu não sou uma coisa só – e ainda bem!
Essa heterogeneidade é o que funda as tribos emocionais. Como damos cada vez mais vazão aos nossos desejos mais internos, mesmo eles sendo múltiplos, precisamos de vários micro-grupos para nos identificar.
Ou seja, existe porosidade nas identidades sexuais, ideológicas e até profissionais. O sujeito pós-moderno é plural e desempenha teatralidades, vive diversos papéis, utiliza máscaras no dia a dia que a permitem ser dupla, tríplice e resistir aos diversos poderes estabelecidos pela sociedade moderna como “normas”. Assim, os laços que criamos com esses grupos acabam sendo emocionais – afinal, estamos demonstrando nossos diversos lados. Queremos estar perto daqueles que têm a mesma visão sobre a vida.
Maffesoli diz em sua obra “O Tempo Retorna”: “E isso [unir-se em tribos] para celebrar o gosto que serve de cimento a cada uma das tribos. É importante insistir nisso. É a partir de emoções, paixões, afetos específicos que vamos, a partir de então, pensar e organizar o elo social. Ao mesmo tempo, ‘gostos e cores não se discutem’. Isso quer dizer que é bem delicado continuar a imaginar o mundo a partir de um universalismo que nos é tão habitual”.
Para compreender, é preciso se abrir
Como estamos ligados pelas nossas emoções – que nada mais são do que desejos pulsantes do nosso coração em estar com quem nos nutre – vivemos também uma época de reencantamento do mundo. Esse reencantamento significa o fim da modernidade, o fim da sociedade até então focada em dever-ser.
Ao nos sentirmos mais livres para não assumir grandes papéis que, teoricamente, a sociedade nos dava, ficamos abertos para nos encaixar nos grupos que despertam a nossa verdade. Fazer o que se ama é estar junto com aqueles que amam as mesmas coisas que você: e ela pode ser variável, porosa, mutável. A liberdade, hoje em dia, significa que cada um de nós, com a nossa liberdade, pode se relacionar com outros indivíduos autônomos que possuem também suas liberdades identitárias.
Nos relacionamos cada vez mais pela verdade, pelo afeto. E não mais pelas circunstâncias.