LADING

Construindo, Desconstruindo, Reconstruído

 

Há mais de 22 anos eu estou na vida corporativa. Como gestor de marketing, passei a vida buscando entender melhor as pessoas dentro e fora da empresa. Há décadas, meu trabalho tem sido gerir pessoas, realidades e expectativas.

Nesse tempo todo, eu percebi que as pessoas são a soma de suas realidades e de suas expectativas e seu nível de felicidade reflete a gestão que fazem destas duas grandes forças.

Todos nós, humanos, vivemos eternamente entre a realidade e a expectativa. O mais interessante é que, exatamente como na figura do Yin e Yang, essas duas forças estão em eterna tensão e buscam incessantemente o equilíbrio. Afinal, no mais profundo âmago de uma há um pouco da outra. Ou seja, no coração de qualquer realidade está a expectativa que a gerou. E o contrário também é verdadeiro: não há expectativa válida que não seja baseada em fatos reais.

Realidade pura, sem uma pitada sequer de expectativa, é tediosa e perigosa porque pode levar ao cinismo, à letargia e à mais pura infelicidade.

Já a expectativa desprovida de algum toque de realidade é simplesmente angustia em estado bruto e pode levar ao delírio, à dispersão, à loucura, e, finalmente, ao vazio da decepção.

Portanto, gerir realidades e expectativas deve estar sempre no topo das prioridades de cada indivíduo.

Minha realidade sempre foi gerir pessoas e, com o tempo, criei a expectativa de poder traduzir meus aprendizados. Acredito que a melhor maneira de multiplicar energia é dividindo conhecimentos.

Eu acredito que a luta contra a pandemia de coronavirus que uniu o planeta nos dá uma importante oportunidade para embarcarmos em uma viagem interna de revisão dos nossos conceitos. É um tempo precioso para nos descobrirmos. Por isso, decidi iniciar essa série de artigos, que são como episódios de uma minissérie: cada um faz sentido separadamente, mas quando colocados juntos representam um universo muito maior. Neles, proponho reflexões e alguns exercícios práticos.

Convido a todos a se engajarem e questionarem. Tenham certeza de que cada feedback será uma inspiração. Espero que esse projeto traga resultados reais capazes de atender ou até superar minhas expectativas.

É tempo de ajudarmos uns aos outros e espero que essa iniciativa os ajude.

 

A vida é um prato de canja. Todos os elementos estão misturados em um mesmo caldo. Para alguns, o resultado é uma maçaroca branquela e insossa – uma verdadeira condenação. Mas tem os que vivem a vida com intensidade e alegria a sua canja é nutritiva e atraente, uma festa de cores, texturas e sabores — estou falando de pedaços de frango suculentos que passaram uma noite na marinada, arroz 7 grãos, cubinhos crocantes de cenoura, ervilhas verdinhas, tudo muito bem temperadinho com alho, cebola, louro, pimenta do reino, páprica e outras especiarias. Agora, dê um passo para trás e observe um ingrediente de cada vez. Pense na sua origem, no que foi feito antes de ele ir para a panela e ser misturado aos outros. Para que o resultado do todo seja realmente apetitoso, cada um dos ingredientes tem que ser tratado com o devido cuidado. Se um for negligenciado, o todo sofre.

Pois bem, o que na receita da canja é chamado de ingrediente, na receita das nossas vidas eu chamo de modelo operacional. Pense que sua vida é o conjunto coordenado de vários universos: físico, afetivo, profissional, espiritual, esportivo, financeiro, artístico, criativo. Todos eles compõem um todo e esse todo é o alimenta a sua alma. Se cada ingrediente – ou modelo operacional — for respeitado e valorizado o resultado final traz saúde, satisfação e prazer.

Chamo os setores das nossas vidas de modelo operacional porque em cada uma destas áreas as coisas funcionam de uma determinada maneira, seguem um padrão de operação. No corpo humano é assim: o sistema digestivo tem sua dinâmica e seus órgãos, o sistema circulatório, idem. Embora, os órgãos, processos e funções sejam diferentes, o mal funcionamento de um fator de um sistema atrapalha a saúde geral. A boa notícia é que sempre pode haver cura. A dinâmica dos modelos operacionais é plenamente mutável, completamente passível de atualização pelo seu gestor.

Chamo essas dinâmicas da vida de modelos operacionais para lembrar sempre que: 1. Eles são a combinação de conceitos e ações que muitas vezes assumimos de forma automática; 2. Como são modelos – e modelos são apenas um conjunto de características – eles podem ser escolhidos, melhorados, modificados ou descartados; 3. Porque qualquer coisa que é operacional pressupõe que possa ser operada por alguém – ou seja, pode receber diferentes direcionamentos conforme quem estiver no controle.

Ou seja, cada área de sua vida pode – e deve! – funcionar de acordo com o seu livre-arbítrio.

Mas agora vem a questão: você sabe o que você quer para cada modelo operacional da sua vida? Lembre-se da canja: você sabe qual é o sabor, a textura e o aroma que você quer para cada ingrediente da sua vida?

O fato é que a maioria das pessoas não sabem.

Muita gente adquire modelos operacionais de outras pessoas – pais, professores, chefes, amigos, parceiros e até esportistas ou artistas a quem você admira – e não se perguntam se estão satisfeitos com o pacote de conceitos e dinâmicas que compõem um modelo operacional. O fato é que a maior parte das pessoas segue o padrão automático.

Muitas vezes não temos uma noção clara das nossas expectativas, da realidade que queremos. Muitas vezes não temos modelos mentais muito bem definidos e assumimos como nossos os modelos de outras pessoas que nos cercam. Ser influenciado é tão comum que hoje até existe a atividade (muito bem remunerada, diga-se) de “influenciador digital”. Sim, existe uma demanda das pessoas de buscarem o que querem ou gostam fora de si mesmas.

Em vez de preparar a própria canja, preferem comprar pronta. É mais fácil. Até que um dia você descobre que tem horror cenoura cozida demais, que prefere a leguminosa mais crocante e que na sopa pronta, ela está completamente destituída de sabor e seu apetite vai diminuindo até desaparecer. Quando se descobre um ingrediente que não está bom, é preciso investigar.

A maior probabilidade é que seu modelo operacional tenha sido construído por:

Indocrinação: é quando uma criança é influenciada a seguir ideias ou um sistema de crenças de forma completa, sem dar espaço para os seus questionamentos ou seus sentimentos em relação ao assunto. Por isso é muito importante darmos liberdade para que nossos filhos tenham uma visão do todo.

Querer pertencer: sobrevivemos melhor se somos parte de uma tribo. E a polarização das opiniões reforça a necessidade das pessoas de se reconhecerem como parte de um grupo – ao ponto de chegarem a ter medo de expressar suas ideias para não serem excluídas pelos seus pares. As pessoas escolhem a tribo para se sentirem seguros.

Autoridade: pessoas podem influenciar milhões de pessoas por autoridade. Os seguidores geralmente não questionam ordens e seguem obedecendo mesmo contra seus próprios interesses. Soldados que vão para a guerra são o clássico. Podem até não concordar com as razões da guerra e mesmo assim colocam sua vida em risco.

Imitação: Abrir mão de realizar uma decisão racional partindo de raciocínio próprio e simplesmente imitar outra pessoa. É fazer um atalho na jornada da decisão. O indivíduo segue a rotina, vai com a manada e faz tudo automaticamente sem visão crítica. Modismos e a publicidade são fontes recorrentes de comportamentos por imitação.

Insegurança interna: a insegurança surge e criamos visões ilusórias do que é o mundo. Muitas vezes, uma pequena insegurança se torna um catalisador para questionamentos mais amplos e pode abrir as portas para sensações quase paranoicas. Por exemplo, o sujeito manda um e-mail para o chefe e ele não responde no mesmo dia, aí o cidadão já começa a achar que fez algo errado e começa a rever suas ações e a projetar rejeição ao seu trabalho. Rapidamente ele se vê desempregado, morando debaixo da ponte.

Os modelos operacionais são poderosos. Mas não imutáveis. Lembre-se: você está na cabine de operação de cada setor da sua vida. Você só tem que se lembrar disso e reconhecer quando o seu modelo operacional foi construído por indocrinação, desejo de pertencimento, submissão a autoridade, imitação ou insegurança.

Na vida real, a não atuar proativamente na direção dos seus modelos operacionais pode levar a muitas situações de stress e infelicidade. Acontece quando entramos em um curso universitário por que não consegue nos motivar ou vamos trabalhar em uma empresa que tem valores que não combinam com os nossos ou seguimos em um relacionamento só para não ficar sozinho ou se decepcionar novamente.

Percebi a força de nos colocarmos na direção dos nossos próprios modelos operacionais antes dos 20 anos. Influenciado pelo meu pai, prestei vestibular para administração de empresas. Entrei e não conseguia encontrar motivação no curso. Mas não queria decepcionar e fui levando, dizendo que estava tudo bem. Foram dois anos assim. Mas a realidade é que minha falta de entusiasmo se traduzia em estagnação. Não estava aprendendo nada e nem evoluindo.

Até que um dia não aguentei mais. Tive uma conversa muito dura com meu pai — uma das mais duras que já tive. Falei que estava infeliz e que não queria fazer administração. Eu queria fazer publicidade. Estudei, prestei outro vestibular e mudei para publicidade e marketing. Tudo passou a fluir. Ia para faculdade e assistia as aulas com gosto. Minha carreira evoluiu. Hoje sou diretor de marketing global de uma das maiores empresas do mundo no segmento de saúde. Hoje sei que, ao analisar um dos modelos operacionais da minha vida e encarar a necessidade de mudança, eu consegui alterar a minha realidade. Na lógica, o modelo operacional sugerido pelo meu pai – o curso de administração — era ótimo. Na prática, entretanto, não me servia porque não me fazia feliz. Tomei uma atitude de seguir a minha vida. De criar meu próprio modelo operacional, de desenvolver minha própria receita.

Olhe para cada área da sua vida e identifique como ela está funcionando. Descubra qual é o modelo operacional das suas finanças, da sua carreira, dos seus relacionamentos, do seu entretenimento, da sua saúde.

Aproveite o tempo extra da quarentena da pandemia do coronavirus para rever os seus modelos operacionais. Pense em outras formas de arrumar as coisas. Seja bem crítico. Analise cenários. Desconstrua. Particularmente eu gosto do modelo: construção, destruição, reconstrução.

Atualizar modelos operacionais pode ser uma iniciativa que brota da alma, de um desejo impossível de ignorar ou da consciência de uma insatisfação. Mas também pode ser uma demanda do mundo exterior. Às vezes a realidade exige que a pessoa reveja seus modelos operacionais.

Profissões que antes eram consideradas de pouco prestígio, hoje são celebradas. Conheço um engenheiro na faixa dos cinquenta anos que é um excelente cozinheiro amador. Poderia ter sido um chef de renome, mas o modelo operacional que tinha sido incutido na sua mente por sua família é que homem de classe alta tem que ter um diploma, se médico, engenheiro ou advogado, e não faz serviços domésticos para outras. Segui uma carreira na cozinha seria uma vergonha. Hoje os chefs são celebridades. Essa é mais uma evidência de que modelos operacionais herdados de outras gerações podem induzir as pessoas a erros monumentais em suas vidas. Ah! Esse engenheiro exerceu por muito pouco tempo a profissão.

Por outro lado, há atividades que estão cada vez menos viáveis. Imagine um técnico super especializado em consertar aparelhos de fax. Ou uma pessoa que não admite diversidade de raça, credo ou gênero. Ou que se recusa a usar processos online. O apego a verdades antigas é prejudicial. Pessoas com modelos operacionais ultrapassados precisam enfrentar a realidade de que seus referenciais já não têm espaço no mundo de hoje e realinhar, com urgência, seus modelos operacionais.

As pessoas estão infelizes. Tem muita gente no mundo com seus modelos operacionais precisando de revisão. Algumas evidências deixam isso claro:

De 1970 a 2008 o número de divórcios no mundo praticamente dobrou – modelos operacionais afetivos que estavam equivocados ou que não evoluíram na mesma direção. De acordo com uma pesquisa publicada pelo jornal Extra, no Brasil, 90% das pessoas estão infelizes no trabalho. Outros estudos apontam que as pessoas se desatualizam nas suas profissões porque, depois que saem da faculdade, não tem motivação para continuar a estudar – afinal, só quem tem paixão por um assunto se mantém ativo, criativo e interessado em fazer aquela profissão evoluir. As insatisfações mexem com a cabeça e podem até ter efeitos sobre o corpo ou vice-versa. Hoje, 2,1 bilhões de terráqueos são obesos – isso significa 30% da população do planeta – e normalmente o excesso de peso está relacionado a modelos operacionais (hábitos alimentares, relação com atividade física, autoestima, etc) que precisam ser redirecionados.

Nós aplicamos rótulos em nós mesmos o tempo todo. Temos que rever isso! O tempo muda as realidades e você precisa mudar, também. Reajuste suas expectativas e persiga novas realidades – o contrário também vale: persiga as expectativas e reajuste as realidades. Seja um programador da sua vida. Atualizar periodicamente o seu modelo operacional é importante.

Para entender bem o que está dando certo e o que precisa ser mudado é preciso não ter medo ou preguiça de desconstruir. Mudar é difícil — justamente porque a mudança desconstrói você, mexe com a sua identidade. Mas não se pode construir um prédio em cima de outro prédio. E preciso desconstruir, derrubar tudo, olhar como coragem para aqueles entulhos, limpar e começar uma nova construção. A desconstrução pode doer. Descobrir que que você não é quem você achava que era e que seus objetivos de repente nem eram seus. Não tem problema. O mundo é dinâmico e está em constante transformação. Você também precisa estar. Construção, destruição e reconstrução é um processo necessário e que deve ser contínuo. A cobra troca de pele para poder crescer. Nós precisamos fazer um update no nosso modelo operacional para podermos crescer.

Seja meticuloso. Analise cada um dos seus modelos operacionais. Lembre-se que a receita é a soma dos ingredientes que você escolher e que o sabor é resultado de como você trata cada ingrediente. Para que sua vida seja saborosa é preciso dedicar atenção a cada setor, descobrir o que você quer de cada um e trabalhar para prepara-lo.

Esse e um modelo que utilizo na minha vida todos os anos. Ele funciona muito bem comigo e acredito que possa te ajudar muito nessa jornada.

1- Selecione os modelos operacionais que considera importante na sua vida. Exemplo: Financeiro, Família, Saúde, Espiritual, Carreira…

2- De uma nota de 0 a 10 de como você avalia que está cada um de seus modelos operacionais.

3- Descontrua seus modelos operacionais e tente entender a razão de estar indo bem e o motivo pelo qual alguma coisa não está indo bem.

4- Programe o seu novo modelo operacional: Escreva como você acredita que precisa ser seu modelo operacional. Coloque 3 metas em cada modelo operacional para atingir essa nova versão atualizada e melhorada.

Baixe nesse link o exercicio:

Life_compass

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