A empresa consciente
Como os 4 Es podem fazem as empresas entenderem melhor o seu presente e, assim, evitar o medo do futuro.
Rodrigo Rocha
Entregar o básico deveria ser automático, certo? No entanto, a definição do que vem a ser “o básico” no mundo corporativo é muito mais complexa do que supõe a vã filosofia a maior parte dos gestores. Em muitos negócios, o tal “básico” não é exatamente o produto físico que é vendido. Muitas vezes, o “básico” que os consumidores esperam é um tanto mais complexo. Essa dissonância cognitiva em relação ao que seja fundamental em uma relação empresa-cliente prova que, no universo corporativo, as entregas, funções e vocações são bem mais voláteis do pode parecer à primeira vista. Em outras palavras, a visão do consumidor em relação a uma marca se transforma constantemente e as empresas precisam estar preparadas para essa dinâmica.
Diante desta impermanência constante, é ainda mais crucial que gestores e equipes se mantenham em contato com o presente de uma forma positiva, criativa e consciente para poderem atuar de forma decisiva no sentido de manter o contato com o agora, de preservar a conexão com o seu propósito e seguir rumo ao futuro com confiança. A única forma de conquistar a longevidade que toda empresa deseja é justamente abrir os olhos e enxergar o presente e atender às demandas do consumidor de hoje, que podem ser muito diferentes das que existiam anos atrás.
Uma forma de manter os pés firmes no presente é refletir sobre a capacidade da sua empresa de atender aos 4 Es: Elegância, Eficiência, Eloquência e Êxito que constituem o Sistema de Estratégia Minimalista. Se as equipes tiverem clareza em relação aos 4Es, certamente estarão sintonizadas com o presente e mais preparadas para lidar com o futuro. Cabe aqui uma advertência: quando falamos de futuro estamos falando do próximo trimeste, do próximo triênio e também dos próximos 30 anos. Sim, encarar as diferentes faces do futuro pode ser tão assustador quanto perceber a sua enormidade e importância. A consciência sobre o futuro é, de fato, impactante, mas não deve jamais ser maior do que a importância do presente.
Muitas empresas ficam tão preocupadas em se preparar para o futuro que acabam esquecendo de viver o presente, de fazer o que precisa ser feito imediatamente. Muitas vezes entram no modismo de querer inovar sempre e acabam esquecendo de entregar o básico, que é o que os seus consumidores esperam delas. A questão é que nem sempre o que os consumidores esperam de uma marca corresponde exatamente ao produto físico que elas entregam. Esse desencaixe entre a expectativa dos clientes e os investimentos na busca por inovação muitas vezes compromete os resultados financeiros das empresas – e o prejuízo que pode se revelar das formas mais diferentes. Pode ser uma pequena queda nas vendas, uma leve desvalorização da marca ou pode até comprometer completamente o futuro de uma empresa.
No final dos anos 2.000, digamos, em 2007, 2008, os executivos da Blockbuster estavam mais preocupados em descobrir localizações-chave para as suas lojas de locação de vídeo do que em desenvolver formas de entregar vídeos via download. Enquanto isso, a Netflix investia em downloads e em programação exclusiva. Em 2012, a Blockbuster já não existia mais. Dá para entender a preocupação com o futuro. O que é um mistério é a incapacidade de certas equipes de enxergarem o óbvio sobre a evolução do seu próprio negócio.
É importante notar a busca desenfreada e muitas vezes equivocada por inovação vem gerando uma endemia de sofrimento no mundo corporativo. As incertezas em relação ao futuro torturam as lideranças e desorientam as equipes – ou o que é pior: desorientam lideranças e torturam equipes. A cura para as dores da inovação passa pelo autoconhecimento e pela busca por mais sabedoria dentro das empresas. A aí o desafio passa a ser adquirir autoconhecimento e sabedoria.
Um dos caminhos pode ser a aplicação no mundo corporativo de técnicas Mindfulness. Esse conjunto de técnicas e processos psicológicos voltados a conduzir a atenção ao momento presente são eficazes em produzir mais autoconhecimento e promoverem a sabedoria e podem — até devem — ser aplicados no contexto corporativo. Afinal, só conhecendo bem suas forças e fraquezas a equipe poderá encontrar o caminho evolutivo mais acertado.
Conforme Michael Porter assinala, é fundamental que as empresas entendam as forças objetivas que incidem sobre o seu negócio: 1.Competição e rivalidade; 2. Poder do Fornecedor; 3.Poder do Consumidor; 4.Ameaça de Substituição e 5.Ameaça da Entrada de Novos Competidores. Observe que todas essas ameaças que Porter aponta são externas à empresa. Identificá-las e administrá-las é fundamental. Mas é só parte do desafio.
Imagine que a sua empresa é um time em um campeonato. Nesse contexto, as forças de Porter equivalem a tudo que acontece do vestiário para fora: quem é o outro time, em que campo se está jogando, a qualidade do gramado, o estilo de apitar do juiz e até a posição dos times na tabela do campeonato. Já o estudo dos 4 Es e as técnicas de mindfulness são o que deve ser observado da porta do vestiário para dentro. A equipe sabe o que quer e desenvolveu seu estilo de jogo (Elegância), treinou bastante e está em plena forma física (Eficiência); desenvolveu jogadas que aproveitam o melhor dos talentos do time (Eloquência) e está motivada com os seus resultados anteriores (Êxito). Mas, além de observar os 4Es, é preciso que a equipe esteja sintonizada com os detalhes do dia da partida. Tem que estar consciente do estado físico de cada componente, entender a incidência de luz no estádio, a temperatura, a umidade. Perceber como cada detalhe do momento presente pode afetar o seu desempenho naquele dia. Isso se faz com as técnicas de mindfulness.
O processo de visualização do presente em uma empresa passa por cinco etapas.
- Forma: observe e mapeie os departamentos da sua empresa, analise como eles se conectam e como a energia, o trabalho e a comunicação flui de um para outro. Seguindo com a analogia do time de futebol, isso equivale a cada jogador entender e se conscientizar do seu papel na escalação. Dependendo do que for determinado pelo técnico, a atuação de cada um pode ser mais ofensiva ou defensiva, mais criativa ou conservadora.
- Sensações: sinta os impactos dos resultados – tanto os bons quanto os medíocres ou ruins. Fique atento, muitas vezes um resultado bom leva à acomodação. Por outro lado, um resultado ruim pode ativar o desejo de vitória. Nos esportes em equipe isso é muito fácil de perceber. Quando as jogadas ensaiadas não funcionam ou um craque não está em um bom dia, a equipe sente. Algumas conseguem ajustar sua atuação, outras se perdem. Foi o que acontece na eliminação do Brasil na Copa de 2014 no jogo em que perdeu da Alemanha com o traumatizante placar de 7 a 1. Do lado da Alemanha tudo funcionou como um relógio, do lado brasileiro o desequilíbrio foi paralisante.
- Percepções: fique atento. Não é raro sermos enganados pelas nossas próprias percepções. Ao praticar a atenção plena, a concentração e o olhar em profundidade descobrimos novas dimensões da realidade e podemos entender os erros de abordagem que estamos cometendo em relação aos problemas. Os bons times se ajustam rapidamente diante de mudanças que vão ocorrendo durante a partida.
- Formações mentais: é o momento de aceitar realidades, entender os problemas, buscar soluções e de ser criativo. Isso é importante tanto quando o placar está favorável quanto quando o time está perdendo. Se o placar vira, os times bem treinados fecham a defesa e/ou partem para o contra-ataque.
- Consciência: é a hora da visão crítica. De entender os impactos das soluções e ações desenvolvidas. Note que isso significa observar o momento e tirar uma fotografia dele. Essa é a hora de ser estratégico, de usar as percepções e formações mentais para orientar ações. Se os jogadores estiverem com suas percepções bem aguçadas, usam o cansaço da defesa adversária a seu favor ou buscam neutralizar seus craques.
Para poder realizar esses cinco passos e sentir o que está acontecendo em tempo real na empresa e no mercado é preciso contar com a colaboração dos profissionais. É preciso agir em sinergia e isso requer que a comunicação seja incentivada. Não existe como fazer exclusivamente de cima para baixo. Cada profissional e cada líder de setor deve parar e olhar para os seus processos e entender quais são os inputs mais importantes, o que está causando ansiedade, o que pode estar gerando stress e também reconhecer o que está motivando sua atuação e a da sua equipe. Ao escutar o que o momento presente está dizendo é possível tomar ações imediatas. Isso ajuda a estancar ralos de energia e outras armadilhas do dia-a-dia. No entanto, o estado de consciência é ainda mais útil nos momentos em criatividade está em curva ascendente. Perceber isso é fundamental porque permite estimular os talentos da sua equipe a dar o seu melhor.
Colocar o seu foco no presente e evitar julgamentos incômodos é um exercício e tanto. Requer sinceridade e disciplina. Somos ensinados a justificar erros, a encobrir fraquezas e a superestimar nossas vitórias. Um campeão sobe ao pódio, levanta a taça e estoura uma garrafa de champanhe como se tivesse sido muito superior ao esportista que ficou em segundo lugar. Na maioria das vezes, entretanto, a superioridade não é tão grande assim. Geralmente a diferença é mínima, quase um detalhe. Pode ser alguns milésimos de segundo, uma bola melhor colocada ou algum outro detalhe que não se traduz em uma diferença sensível entre um vencedor e um perdedor. É nessa situação que a atenção ao presente é fundamental. Ter consciência plena do momento é o que vai evitar que o vencedor relaxe com seus treinamentos e perca na próxima competição. Afinal, o mais provável é que ele tenha perdido por bem pouco. Um ponto a mais ou alguns milésimos de segundo a menos.
Avaliar o presente e ampliar a consciência sobre a realidade da sua empresa é um processo que exige mente aberta e tranquila. A primeira coisa a ser considerada é que nem sempre a verdadeira entrega da empresa é o produto ou serviço que está descrito nos seus documentos de constituição. Nem sempre o setor em que a empresa participa fisicamente corresponde ao negócio em que ela está. Isso faz com que o “básico” que o consumidor espera dela seja bem diferente do óbvio.
Por exemplo, oficialmente a Coca-Cola está no negócio de refrigerantes. No entanto, quando se considera a percepção da sua marca junto aos consumidores, a entrega que se espera da empresa tem mais a ver com estilo de vida do que com água adoçada gaseificada. A marca, que ocupa a quarta posição entre as mais valorizadas em 2017 de acordo com o ranking da Interbrand, representa para as pessoas diversão, autoindulgência e um confortável pacote de memórias afetivas de infância. Isso faz com que o fato do produto não estar entre os considerados mais saudáveis pelo consumidor fique em segundo plano diante da necessidade emocional dos consumidores. Essa avaliação salva a marca, mas em termos corporativos não garante o futuro. Por isso, há mais de uma década a Coca-Cola Company vem investindo na compra de marcas de água, refrigerantes e chás que são produtos considerados mais saudáveis. Isso é saber usar o presente a seu favor.
Para o observador mais distraído, a Zara, principal marca da Inditex, maior rede de varejo de roupas do planeta, é uma apenas uma loja de moda. No entanto, quem olhar atentamente e com a mente aberta vai perceber que o motor das vendas é o desejo das consumidoras estressadas pelo “empoderamento feminino” de se conceder recompensas por sua jornada de trabalho dupla. Nas lojas as vendas não são de peças meramente utilitárias. O que está sendo comercializado é a autonomia feminina, a possibilidade de comprar alguma roupa nova e antenada com as passarelas. A consumidora da Zara não está na primeira fila dos desfiles, mas quer vestir as tendências ou peças similares às que foram desfiladas poucas semanas depois da sua estreia nas semanas de moda. Elas sabem que aquele modelo de marca famosa foi copiado, mas elas querem sentir o prazer de ter acesso a um mundo antes proibido para elas. Nesse sentido, o “inconquistável” mundo da moda das passarelas tem um claro paralelo com o “inconquistável” universo corporativo. Há um sentido de heroísmo quase subversivo nisso. É como se a mulher trabalhadora dissesse que pode, sim, estar no mesmo universo das mais privilegiadas que vão aos desfiles e compram as marcas mais famosas. Enquanto continuar a roubar o fogo dos deuses, ou melhor, a indumentária das deusas, a marca manterá a sua relevância para as consumidoras. Graças a isso, a marca teve 11% de valorização entre 2016 e 2017 de acordo com a Interbrand. Uma visão ampla sobre as estratégias da empresa mostra que a magia da marca está em continuar a oferecer rapidamente peças similares às desfiladas nas semanas de moda. Por isso, não há sentido em tentar evoluir para assinar criações 100% originais. A bússola que orienta o caminho da marca aponta para investir em agilidade mais do que em originalidade e, por isso, refinar continuamente seus processos de logística e sua percepção da mente da consumidora. As mulheres da geração Z, por exemplo, são menos ávidas pelo consumo e valorizam menos os lançamentos de passarela do que os princípios de sustentabilidade e a ética aplicada na cadeia produtiva das roupas que vestem. Isso mostra como a atenção ao agora pode trazer informações bem diferentes e até certo ponto conflitantes.
A Apple, marca mais valorizada no ranking da Interbrand de 2017, não faz apenas computadores ou smartphones, ela oferece a sensação de pertencer a uma elite de consumidores vanguardistas. Essa é uma realidade hoje e vem sendo assim desde que Steve Jobs reassumiu a empresa em 1997. Mas essa aura rebelde, iconoclasta e vanguardista tem apelo mais forte junto aos Baby-boomers e às gerações X e Y do que para os jovens da geração Z, para quem o a sensação de vanguarda é default e não representa um diferencial. Para quem nasceu na banda larga, o que vale é preço e usabilidade. Por isso, enquanto a marca Apple teve apenas 3% de valorização no último ano, sua competidora Samsung se valorizou em 6% e hoje é a 6ª marca mais valorizada do mundo.
O ranking da Interbrand revela tendências que merecem análise. Por exemplo, a Amazon, atualmente marca em 5º lugar, cresceu 29%. O que explica tamanha valorização? Talvez o fato da Amazon trabalhar os 4Es com maestria. É elegante porque coloca a experiência e as preferências do consumidor em primeiro lugar. É eficiente porque seus algoritmos fazem com que suas sugestões sejam as mais relevantes e também porque seu processo de logística permite que as entregas aconteçam com agilidade e correção. É eloquente porque suas ações falam mais alto do que qualquer discurso de mídia publicitária – a experiência dos seus consumidores vai parar nas conversas perto da máquina de café, nas conversas em família e, claro, nas redes sociais. E, em relação ao êxito, é uma empresa que não para de buscar novas formas de ser presente e relevante para seus clientes – mesmo já sendo a líder do seu segmento. Na verdade, a empresa vem escolhendo produtos culturais para patrocinar e, com isso, dar aos seus lucros um destino nobre e coerente com sua história. Um exemplo foi co-produzir o filme Roda Gigante (Wonder Wheel), dirigido por Woody Allen.
Mas talvez a forma mais clara de mostrar a necessidade de conexão com o presente para uma empresa seja ir além de analisar o sucesso e esmiuçar as razões de alguns fracassos retumbantes das últimas décadas.
Várias empresas gigantescas, de porte transnacional, com departamentos de marketing, vendas, pesquisa e desenvolvimento bem credenciados desapareceram porque não souberam interpretar corretamente sinais do presente. Não perceberam os impactos do mercado de forma clara. Não entenderam a chuva sob a qual estavam.
A lista é imensa. E inclui várias gigantes do século 20. Olivetti, Pam Am, Kodak, Nokia e várias outras, dos mais variados setores. O mais irônico é que enquanto algumas destas empresas se desintegravam, os produtos que ofereciam se tornavam cada vez mais populares e acessíveis. Nunca se digitou tanto quanto depois que as máquinas de escrever viraram teclados. Antes reservado aos mais habilitados a encontrar foco e manter as mãos firmes, a ato de fotografar se disseminou largamente. Hoje, graças à facilidade dos smartphones, registrar imagens está ao alcance de todos.
Vários dos negócios que eram grandes no século 20 ficaram ainda maiores neste século. Só que a partir de outras premissas.
Algumas empresas, como a Blockbuster, perceberam em um dado momento que o seu modelo de negócio estava condenado e, tanto quanto possível, negociaram seu fim. Enquanto a gigante internacional da locação de filmes negociava seus espaços e demitia funcionários, os fãs de cinema consumiam títulos com voracidade cada vez maior. A tecnologia de streaming e da banda larga ampliou o acesso e permitiu que as pessoas assistissem conteúdo nas mais variadas telas. A Blockbuster agiu como um surfista que é derrubado da onda, lutou para emergir e chegar na praia vivo. Ela errou na sua visão de futuro, mas quando percebeu que estava sendo engolida, agiu rapidamente.
Outro exemplo de mudança gradual, porém inexorável, ocorreu no mercado de taxis. Hoje tem mais gente usando carros dirigidos por outras pessoas, mas dentro da lógica dos aplicativos. O modelo de negócios dos taxistas não desapareceu com a chegada dos aplicativos, mas mudou radicalmente.
Como se manter na sela diante das mudanças? A resposta é equilíbrio. O equilíbrio nasce do autoconhecimento. Como diria Porter, conhecer bem suas forças e fraquezas é o primeiro passo para começar a vislumbrar uma solução.
Dentre as lições que as técnicas de mindfulness nos ensina é que a realidade, o presente não deve causar preocupação. Deve, sim, dar o start a um processo de ocupação que deve ser orientado pelos 4 Es. A percepção da realidade presente é uma ocupação e tanto e é ela que, se estiver alinhada com os princípios de Elegância, Eficiência, Eloquência e Êxito vai desenhar o mapa da inovação relevante. Um bom exemplo disso provavelmente está no seu bolso. Quando Steve Jobs percebeu que as pessoas levavam o celular em um bolso, o iPod em outro e a câmera fotográfica em um terceiro, entendeu que era a hora de unir os três gadjets e, assim, nasceu a ideia do iPhone, que revolucionou o mercado em 2007. Eis um exemplo de inovação nascida da consciência e não da ansiedade e que, por isso, foi aceita pelo consumidor de forma imediata e entusiasmada.
Portanto, mais do que buscar ser uma empresa inovadora é preciso almejar ser uma empresa plenamente consciente do presente.