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Propósito no centro de tudo

As mudanças no comportamento da sociedade, a mudança nos valores e nas atitudes fazem com que as pessoas se identifiquem com marcas e empresas que defendem causas e demonstram ter um propósito. Em um mundo em que os sistemas políticos são vistos com desconfiança por muitos, as empresas precisam assumir um papel cada vez mais importante na sociedade.  Além de movimentar a economia com produtos e serviços, as empresas passam a ter um papel fundamental na defesa de causas e nas transformações sociais. O sucesso da nova economia está, portanto, baseado em transparência, aspiração, impacto positivo e empoderamento. Mas para atingirmos esse novo estágio de eficiência e prosperidade protagonizado pelas empresas, é preciso mudar de um sistema egocêntrico para um sistema eco-cêntrico. Ou seja, todos temos que pensar no funcionamento do sistema como uma todo, em todas as interações e ter a consciência de que os atos de um impactam na existência do outro. Isso representa uma profunda mudança de como agimos e pensamos.

A pandemia de Covid-19 fez com que pessoas, empresas e entes do governo trabalhando em conjunto para o bem comum. Esse novo modelo operacional é resultado de duas forças poderosas: o desafio externo imposto pelo coronavirus e o desenvolvimento de uma nova consciência pessoal.

Alguns fatos externos funcionam como catalisadores para salto evolutivo nos valores e visões de mundo. Esse tipo de tomada de consciência rápida também aconteceu na Primeira e na Segunda Guerra e, mais recentemente, em 1989, com a queda do Muro de Berlim; em 1991, com o esfacelamento da União Soviética e em 1994, com o fim do Apartheid. E agora está acontecendo novamente.

Diante de questões sociais importantes expostas pela pandemia estamos percebendo o protagonismo das empresas movidas por propósitos claros no sentido de ajudar todo o sistema econômico e social e, com isso, conquistando algo muito mais precioso: a lealdade das pessoas.

Propósito no centro de tudo

Empresas com propósito são as que tem valores claros, abraçam causas e impactam a sociedade com suas convicções. Esse compromisso e consistência com causas se traduz em liderança e, assim, as empresas cada vez mais assumem um papel mais importante na sociedade.

A existência de um propósito é o diferencial mais eloquente para uma empresa ou uma marca. De acordo com um estudo realizado pela consultoria Accenture em 2018, 64% dos consumidores no mundo consideram mais atraentes as marcas que comunicam seu propósito ativamente e 62% querem que as empresas se posicionem em relação às questões que defendem. Uma pesquisa realizada pela Porter Novelli em 2019 com consumidores dos Estados Unidos em relação a marcas com propósito aponta que 89% tem uma imagem positiva, 86% confiam e 83% são leais à marca. O mesmo estudo mostrou que 8 em cada 10 consumidores sentem que tem uma conexão mais profunda com marcas que demonstram ter valores semelhantes aos eles próprios têm. 

Nesse ponto é preciso lembrar o compartilhamento de valores humaniza as empresas tanto nas suas interfaces externas com consumidores, fornecedores e sociedade quanto nos seus processos internos de pesquisa, desenvolvimento, retenção de talentos, motivação e desempenho. 

Uma pesquisa global conduzida pela consultoria Edelman em 2018 apontou que 64% das pessoas têm a expectativa de que os CEOs atuem como lideranças em mudanças sociais sem esperar por ações do governo. Ou seja, antes mesmo que leis sobre diversidade e inclusão ou redução de gases causadores de aquecimento global sejam criadas pelos governos as empresas devem fazer o que é certo. Esse mesmo estudo revelou que 85% das pessoas esperam que os CEOs participem nos debates de questões importantes da sociedade. Ou seja, as pessoas demandam das empresas um posicionamento voltado para o ecossistema superando os condicionamentos antigos que levavam para o “ego sistema”. 

A postura da sociedade em relação às empresas provocou um paradoxo: a empresa que estiver preocupada com a sua sobrevivência (no sentido mais egocêntrico possível) precisa urgentemente adotar uma postura de atuação em função do bem comum. Só defendendo o ecossistema é que ela poderá garantir o seu ego-sistema. Vários estudos confirmam que a melhor forma de lucrar está em defender um propósito de alcance social. 

Segundo uma avaliação da Interbrand realizada em 2017, as marcas comprometidas com melhoria de qualidade de vida têm desempenho 120% acima da média nas bolsas de valores. O interessante é que quanto maior é o intervalo de tempo considerado nos estudos, mais clara fica a vantagem das empresas com propósito. De acordo com o Kantar’s Purpose Study realizado em 2018 observando um período de 12 anos, a valorização das empresas com propósito chegou a 175% enquanto a média de valorização das companhias sem propósito claro foi de 70%. O professor Raj Sisojdia, da Babson College, em Massachussetts, analisou 28 empresas no período de dezoito anos entre 1996 e 2013 e concluiu que as empresas com propósito cresceram 1.681% no período enquanto a média de crescimento das 500 maiores empresas do país foi de 118%. 

Essa consciência voltada para o ecossistema tem, sim, estado presente na macroeconomia de mercado. A gigante global Unilever divulgou que, do seu portfólio de 400 marcas, as 28 marcas que mostram propósitos claros e que os comunicam consistentemente estão crescendo 69% mais rápido do que asoutras e são responsáveis por 75% do faturamento total da companhia. A marca Dove, por exemplo, que 2004 abraçou a causa da beleza real e da autoestima feminina está entre as marcas da empresa que faturam mais de US$ 1 bilhão por ano. 

Prioridade ao ecossistema 

É preciso considerar que pandemia do coronavirus, que paralisou os negócios e mobilizou todo o planeta, representou uma poderosa força externa capaz de acelerar o ritmo de mudança nos valores pessoais dos indivíduos e, com isso, direcionar o novo tempo que começaremos a viver. 

O mundo realmente não vai ser o mesmo e as empresas precisam se preparar para mudar de um sistema focado em lucro para um ambiente em que o propósito de valor, cada vez mais e de forma mais enfática, vai definir o seu sucesso. Empresas exponenciais não estão mais pensando somente em aumentar o valor para o stakeholder e sim que é preciso agregar valor para a sociedade. 

Elas também percebem que para crescer rapidamente precisam construir internamente um ambiente de trabalho focado em propósito e valores. Com isso alinhado, o resto é consequência. A partir de um propósito as pessoas se identificam, engajamento se torna um fato, a motivação e a paixão surgem. E, com isso, ir para o trabalho passa a ser motivo de satisfação e não de desânimo. 

A infelicidade no trabalho geralmente ocorre quando as pessoas se sentem desvalorizadas e usadas – se sentem como naquela cena do filme Tempos Modernos em que Charles Chaplin mostrava um operário que fazia um trabalho repetitivo que lhe tirava o senso de individualidade. Esse sistema industrial despersonalizado é típico do ego-sistema, aquele em que o ego de alguém está levando a melhor em detrimento da individualidade de um monte de gente. 

Já as empresas focadas em criar um ecossistema de valorização de talentos e de criatividade querem atrair, formar e reter gente motivada e geradora de riqueza. Pessoas com paixão não precisam ser controladas com arreios e nem chicoteadas para produzir – pelo contrário, elas são verdadeiros motores de inovação e produtividade. Isso muda todo o modelo estrutural de uma empresa, sua dinâmica e sua capacidade de se sintonizar com a sociedade.  

O propósito da empresa ajuda a alinhar de ponta a ponta a estratégia. Empresa, colaboradores, fornecedores alinhados por um propósito comum deixam de lado a burocracia, a desconfiança, os feudos e egos para fazer com que o ecossistema evolua para todos. Não se trata de uma missão da empresa — infelizmente a missão da empresa geralmente fica no papel. Estou falando de algo muito maior. Estou falando de uma causa. 

Empresas exponenciais estão adotando agora o MTP, sigla para MassiveTransformative Purpose ou Propósito de Transformação Massiva. Essa abordagem consiste em descrever um futuro melhor para o mundo ou para sua indústria e agir entusiasticamente no sentido de realizar essa transformação. A ideia é transformar o ecossistema do seu setor e, em seguida, o mundo. Empresas com MTP atraem clientes, comunidades, parceiros e recursos. A Tesla é um grande exemplo onde utiliza como seu MTP” To acelerate theworld’s transition to sustainable energy” ou Google “ Organize the world’sinformation”.

Esse alinhamento em direção ao propósito está alinhado com a visão descrita por Simon Sinek em seu livro Golden Circle. Nele, o autor aconselha a começar sempre com o porquê (why), seguir para o como (how) e, o então, definir o produto ou serviço (what). Isso traz clareza para todos os envolvidos. No entanto, poucas empresas são capazes de explicar porque existem e o por que razão funcionam daquela forma. Sinek já se referia à necessária mudança da mentalidade de ego para eco. 

Valor compartilhado

Quando falamos em ecossistema, falamos em interdependência, em cadeia de suprimentos, mas também em uma cadeia de valores. E mais, quando se fala em mudança na forma de operação para atender a um propósito é preciso levar em conta todos os envolvidos na cadeia produtiva. Por exemplo, uma empresa comprometida a zerar sua pegada de carbono tem que escolher fornecedores também comprometidos com eficiência energética, tratamento de resíduos e otimização de processos. Afinal, nas relações entre empresas (B2B) é que a identificação de propósitos é ainda mais crítica.  

Empresas precisam mudar a sua forma de operação em relação ao todo, precisam pensar em gerar prosperidade para o resto da cadeia. O foco deve ser no desenvolvimento de todos. Assim, as empresas que aumentarem sua competitividade, sua eficiência e seu lucro trazem como consequência o crescimento de toda a cadeia. Michael Porter fala disso na sua teoria de “shared value”, onde destaca o exemplo da Nestlè, empresa que investe em seus fornecedores para melhorar a qualidade de seus produtos e oferece tecnologia e os recursos necessários para melhorar a produção e a escala. É possível perceber essa dinâmica acontecendo nos ecossistemas de startups, em que empresas plug and play incentivam novas startups a ficarem mais eficientes e melhorarem seus produtos no mercado. 

O papel das empresas evoluiu. Presença global, influência sobre o estilo de vida dos seus milhares de funcionários e, às vezes, bilhões de consumidores fazem com que as empresas se tornem protagonistas na criação do futuro da Humanidade. Recentemente o World Economic Forum disse que as empresas precisam servir à sociedade e ao planeta e não apenas a seus acionistas.

Essa participação estendida das empresas para além do âmbito da economia de mercado propriamente dita e a importância do propósito social das marcas mostra claramente a relevância das Legislative Brands, que são marcas que entregam uma proposta de valor muito importante para a sociedade e que tenham potencial de gerar impactos inegáveis no dia a dia das pessoas. Clientes se inspiram e se comprometem a ajudar as empresas e o ecossistema. Mais do que nunca, colocar pessoas e o ecossistema no centro do negócio é a melhor estratégia. Isso é um salto evolutivo em relação ao capitalismo clássico que afirmava que enquanto um ganha o outro perde. Agora, vemos que tem que ser bom para todos. Todos têm que ganhar e é isso que permite a evolução.   

Essa atitude generosa e solidária pode ser percebida nas marcas que se posicionaram durante a pandemia de coronavírus com mais rapidez e ênfase. Vimos muitas trabalhando com afinco para ajudar a sociedade, diminuir as incertezas e construir um senso de comunidade. Essas empresas mostram que são feitas por pessoas com valores alinhados com o seu propósito e demonstram ter conexão muito forte com a sociedade.

E tudo isso começa dentro de casa. A grande prioridade das marcas no momento da pandemia deve ser cuidar de seus funcionários. E parte disso é mantê-los conectados com o propósito da empresa, ainda que realizando suas funções remotamente. E, às vezes, ir além. A fabricante de cosméticos Natura, que tem sua distribuição baseada em uma rede de consultoras independentes percebeu que, durante o período de isolamento social, os índices de violência doméstica estavam crescendo no Brasil e que as mulheres ameaçadas tinham dificuldade em procurar ajuda. Então, criou um vídeo que começa como tutorial de maquiagem e pede que a consultora coloque fones de ouvido. O vídeo com um maquiador mostrando uma manobra de maquiagem continua na tela, mas a narração dá instruções sobre como denunciar violência doméstica. Essa iniciativa mostra que empresas com propósito não se intimidam, vão além e se envolvem em questões socialmente complexas. 

Mais que nunca, as empresas precisam mostrar sua proatividade. Uma pesquisa recente da consultoria Kantar apontou que 39 % da população acredita que as empresas precisam estar disponíveis para ajudar os governos nesse momento de crise. Isso não tem mais volta. A crise está aí, vai durar ainda algum tempo e as empresas precisam pensar no ecossistema e não mais somente nelas. 

A beleza dos ecossistemas é que não há um dominante centralizador. Neles todos fazem parte, a interdependência é completa. O musgo do fundo do lago alimenta o peixe que alimenta o urso. Sem o musgo, o poderoso urso morre de fome. O fato é que ninguém domina o ecossistema. Todos são importantes. Estamos falando de co-criação. Estamos todos conectados e, se não há sinergia, o sistema entra em colapso – e não há dinheiro que salve. Mas, para haver cooperação é preciso transparência e confiança extremas. 

Estamos em um momento da História em que precisamos redefinir o que é o sucesso. Lógico que o lucro é importante e que a competitividade sempre vai existir, mas esses elementos serão moldados de outra maneira. Acredito que a nova medida de sucesso será alcançada quando todos os envolvidos na cadeia produtiva se unirem pelo melhor interesse do cliente que, em última análise, é o melhor interesse da humanidade. Assim asseguraremos a evolução dos nossos ecossistemas. 

Não há como prever o futuro, mas tenho certeza de que o mundo precisa mudar para uma cooperação global para sermos mais eficientes e co-criarmosecossistemas melhores e um mundo bem melhor. 

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